
Pois bem, verdade seja dita: há muito racismo no Brasil sim, em várias esferas, de diferentes espécies, tipos e estirpes. Desde cedo sempre ouvi que aqui não há preconceito racial e sim social. Eis aí mais uma falácia para escamotear o primeiro em detrimento do segundo. Há um discurso de que no Brasil não há preconceito de cor com negros "ricos". Ok, diga-me onde eles estão... Aí sempre aparece alguém que cita no máximo três nomes de negros em postos de destaque e comando aqui nessa Pindorama. Não é preciso ser nenhum matemático para saber que há uma disparidade nesses números, não por incompetência da raça, mas pelo histórico que levou os afrodescendentes a esse quadro.
Não sou de me vitimizar, entretanto desacredito em salvação individual, mito embora essa seja a bandeira hasteada na pós-modernidade. Para provar a existência de que o preconceito racial ainda é uma constante em terra brasillis vou descartar dados e estatísticas aqui, partirei da observação empírica, de situações cotidianas as quais vivi e ainda vivo literalmente na pele. Como tais episódios são frequentes, vou citar nesse texto apenas um, abrindo a possibilidade de quiçá lançar uma série de relatos posteriores haja vista que a intenção é não apagar a chama e sim denunciar tais situações, ora engraçadas, ora constrangedoras. Quero com isso reforçar a existência do preconceito de cor que eu conheço de cor e mostrar com isso que o progresso de uma sociedade se inicia a partir do momento em que tal sociedade reconhece e assume suas fragilidades.

Tão logo, meu olho clínico passou a observar detalhadamente o ambiente: havia aproximadamente ali uns trezentos convidados e excetuando algumas pessoas que trabalhavam na festa, os afrodescendentes da festa somavam-se cinco incluindo minha mulher, um casal de amigos nossos que estavam sentados em nossa mesa e eu. Entreolhei meus amigos e não pude deixar de comentar com eles a curiosidade: "Só tem gente branca aqui!", algo natural dada a origem das famílias dos noivos. Mesmo os colegas de trabalho também tinham a pele clara. Minha esposa, o casal de amigos e eu fazíamos parte das "cotas". Gargalhamos e continuamos comendo e bebendo sem maiores preocupações.
Um parêntesis antes de prosseguir a narrativa: quando vou a esses eventos sociais costumo caprichar no vestuário- terno e gravata alinhados e novos, sapatos lustrosos, cabelo e barba extremamente bem cortados, perfume discreto e movimentos idem, mantenho-me "acima de qualquer suspeita".

