Em 20 de novembro comemora-se o dia da Consciência Negra. Tal efeméride refere-se ao assassinato de Zumbi dos Palmares. E, embora a data possa ser controversa e mesmo muitos questionarem a real existência do herói negro, o fato é a reflexão que a data sugere.
Pois bem, verdade seja dita: há muito racismo no Brasil sim, em várias esferas, de diferentes espécies, tipos e estirpes. Desde cedo sempre ouvi que aqui não há preconceito racial e sim social. Eis aí mais uma falácia para escamotear o primeiro em detrimento do segundo. Há um discurso de que no Brasil não há preconceito de cor com negros "ricos". Ok, diga-me onde eles estão... Aí sempre aparece alguém que cita no máximo três nomes de negros em postos de destaque e comando aqui nessa Pindorama. Não é preciso ser nenhum matemático para saber que há uma disparidade nesses números, não por incompetência da raça, mas pelo histórico que levou os afrodescendentes a esse quadro.
Não sou de me vitimizar, entretanto desacredito em salvação individual, mito embora essa seja a bandeira hasteada na pós-modernidade. Para provar a existência de que o preconceito racial ainda é uma constante em terra brasillis vou descartar dados e estatísticas aqui, partirei da observação empírica, de situações cotidianas as quais vivi e ainda vivo literalmente na pele. Como tais episódios são frequentes, vou citar nesse texto apenas um, abrindo a possibilidade de quiçá lançar uma série de relatos posteriores haja vista que a intenção é não apagar a chama e sim denunciar tais situações, ora engraçadas, ora constrangedoras. Quero com isso reforçar a existência do preconceito de cor que eu conheço de cor e mostrar com isso que o progresso de uma sociedade se inicia a partir do momento em que tal sociedade reconhece e assume suas fragilidades.
Fui convidado para um casamento com minha esposa e participamos do matrimônio, tanto na igreja quanto na festa ocorrida depois. Tudo caprichosamente organizado, ambiente luxuoso, comida e bebida muito boas, e tal e coisa... Os noivos, oriundos de classe média, descendentes de europeus - ( a noiva tinha sobrenome de artista famoso ) - estavam visivelmente emocionados e felizes com suas famílias e amigos e nós também.
Tão logo, meu olho clínico passou a observar detalhadamente o ambiente: havia aproximadamente ali uns trezentos convidados e excetuando algumas pessoas que trabalhavam na festa, os afrodescendentes da festa somavam-se cinco incluindo minha mulher, um casal de amigos nossos que estavam sentados em nossa mesa e eu. Entreolhei meus amigos e não pude deixar de comentar com eles a curiosidade: "Só tem gente branca aqui!", algo natural dada a origem das famílias dos noivos. Mesmo os colegas de trabalho também tinham a pele clara. Minha esposa, o casal de amigos e eu fazíamos parte das "cotas". Gargalhamos e continuamos comendo e bebendo sem maiores preocupações.
Um parêntesis antes de prosseguir a narrativa: quando vou a esses eventos sociais costumo caprichar no vestuário- terno e gravata alinhados e novos, sapatos lustrosos, cabelo e barba extremamente bem cortados, perfume discreto e movimentos idem, mantenho-me "acima de qualquer suspeita".
A certa altura - do tempo e da cerveja - fui ao toalete e lá chegando, um homem puxou conversa perguntando se eu era parente dos noivos. "Não". Falei que fui convidado com minha esposa. mas o homem mal me ouviu e veio com outra questão à queima roupa: "você trabalha aqui? " Eu fiquei descreditado no que ouvi e só pude responder monossilabicamente "não". Ele até continuou a conversa em seguida mas eu nem sequer entendi ois ainda estava anestesiado com a inquirição anterior. E olha que nem estava de camisa preta por debaixo do terno para ser confundido com um segurança! Saí do banheiro menos aliviado do que quando entrei. Sentei na mesa e após aluns minutos não me furtei de comentar o ocorrido, no que meu amigo completou: "Ah! Eu acompanhei a conversa pois estava no banheiro reservado, só não sabia que era você." Achei que o cidadão que me fez as perguntas estava bêbado. E se não estivesse, seria seu álibi, caso eu fosse refutar sua infeliz pergunta.
Diante da historinha fica a moral: o fim do preconceito é uma utopia, mas de utopia se faz a vida. Cada qual tem o direito de ter suas concepções acerca de quaisquer assuntos, para o bem ou para o mal. Por conseguinte, cada indivíduo tem o dever de respeitar a diversidade e pluralidade cultural, de gênero, de raça, etnia, cor, credo e opiniões e isso deve ser garantido. E se não houver um acordo de cavalheiros a Lei está aí para que tais direitos sejam efetivados. E tenho dito/escrito!