Pátria de Chuteiras e Botinadas
A
apropriação dos gostos populares para fins políticos sempre ocorreu na história
da humanidade e ainda acontece até hoje seja através da música, das
representações artísticas de forma geral e no esporte, atividade esta na qual o
texto que segue irá se focar sobretudo no futebol e como tal relação com a
política se estabelece no Brasil.
A estreita relação política com futebol sempre ocorreu não apenas em nosso
país e não somente no que se refere particularmente a este esporte. Os regimes
de excessão e as ditaduras fazem uso frequente desses expedientes no intuito de
conter os ímpetos de cobrança de melhores condições de vida da grande maioria
da população. Na Itália Facista e na Alemanha Nazista por exemplo os esportes
foram extremamente utilizados como propaganda política. Um dos fatos mais emblemáticos
que endossam o poder do regime nazista foi quando Hitler negou-se a entregar a
medalha de ouro ao campeão olímpico de corrida Jesse Owens porque o atleta era
negro.
No Brasil é de praxe sacramentar que a
ditura militar se aproveitou dessa imagem de país vencedor da Copa do Mundo
para justificar semos os “maiores” em tudo. O desenvolvimento econômico era constantemente comparado ao futebol. A imagem
mais significativa desse período é o presidente Médici utilizando um uniforme
de jogador de futebol ensaiando uma embaixada enquanto muitos brasileiros
contrários do regime eram torturados e mortos pelo próprio governo. Mas não foi
apenas a ditadura militar que se aproveitou do sucesso esportivo. Em 1958, ano
em que o Brasil foi campeão mundial, Juscelino Kubitscheck também discursava
junto ao seus “cinquenta anos em cinco” apropriando-se da vitória brasileira do
campeonato mundial para mostrar o quanto o país era moderno. Até Getúlio Vargas
também deu sua contribuição, de modo que podemos afirmar que a imagem do país
do futebol, da “pátria de chuteiras” foi
programada tacitamente ao correr das décadas.
No ano que segue o Brasil sediará a Copa do
Mundo e ainda que hoje o país esteja governado por um regime político em tese
democrático, o mesmo fará uso do estabelecimento do evento para discursar que o
país está em plena expansão
econômica e social o que justifica a realização da
Copa do Mundo aqui. Entretanto, o que
ocorre na verdade é o mascaramento das enormes dificuldades para realizar o
evento. Não há aeroportos suficientes, faltam estádios e muitos estão ainda
inacabados, há ausência de transporte público em quantidade e qualidade, isso
para não falar de escassez de energia elétrica e água. Há ainda a falta de segurança.
A premência em se realizar o que ainda resta fazer abre margem para a acusação
de negligência e estímulo a corrupção, mola mestra dessa estrutura que favorece
acordos escusos com empreiteiras, licitações às pressas ( quando essas ocorrem
) e uma série de negociatas que virão à tona ao término da copa.
Ainda que hoje tenhamos manifestações de rua
aos borbotões, inclusive contra a realização da Copa do Mundo no Brasil,
desacredito que tais atos sejam tão somente desacordos populares advindo da
massa da população insatisfeita. Não é à toa de que cogitou-se pagamento em
dinheiro para alguns manifestantes – aqui a política de pão e circo por um
outro ângulo. Num ano eleitoral tudo acaba sendo arquitetado como instrumento
político, pró ou contra o governo. Se
por um lado a população de certa forma tem reagido contrária ao desperdício de
dinheiro em obras de infraestrutura para tal evento, de outro a grande mídia têm-se mostrada conivente com o
governo pois exibe-se muito pouco acerca da enorme desorganização do evento nos
jornais e nas redes de televisão, o que levanta a questão do verdadeiro
interesse das mídias para que o evento aconteça ( audiência, anunciantes ). Ou
seja, vivemos um momento do apogeu do capitalismo selvagem em que cada classe
está extremamente preocupada com seus interesses, sejam eles econômicos ou de
obtenção e manutenção de poder, mas nunca com o verdadeiro bem estar social.
E por último, mas não menos importante é o
que denominarei de talento individual dos atletas como fator determinante.
Explico: ainda que fatores externos influenciem o resultado de uma partida de
futebol ou mesmo de um campeonato mundial tem-se uma “carta na manga” que é o
talento individual do jogador de futebol. Há quem diga que mesmo o futebol é um
jogo de cartas marcadas e podemos considerar tal assertiva verdadeira até certo
ponto. Desde a escolha das chaves as seleções que compõe quanto os lugares onde
se realizarão os jogos. Como ilustração lembro-me de certa vez em que aconteceu
um jogo amistoso da seleção brasileira que foi realizado no estado do Maranhão
e transmitido pela Rede Globo, num dia que excepcionalmente a novela terminaria
antes de seu horário habitual para a exibição do evento. Um pouco antes da
novela o Jornal Nacional noticiava uma suposta candidatura da maranhense Roseana
Sarney para a presidência. “Juntando os pontos” compreende-se o porquê do jogo
no mesmo estado da futura candidata.( É claro que a candidatura não decolou
após denúncias de corrupção do governo da filha de José Sarney, mas isso é
outra história).
Resumindo, ainda que se planeje todo um aparato ideológico, na prática
o atleta pode não efetuar o resultado esperado e toda consequência positiva da
Copa não passar de quimera. O país está
numa encruzilhada: se se vence o campeonato mundial continuará a política de
pão e circo de sempre, com a falsa ideia de desenvolvimento econômico etc; se o Brasil perde a Copa poderemos perceber
com mais clareza a recessão que irá se seguir, afinal em ano de Copa do Mundo o
país trabalha menos e todo o gasto realizado para as obras da Copa agora é
apenas gasto, não é investimento, ou seja, esse dinheiro não irá retornar aos
cofres públicos com a mesma rapidez com a qual saiu. Muda-se o governo, fala-se
de outros países, mas a maneira como se faz para manter o controle das massas é
usado desde há muito tempo e ainda continuará mais um tanto, enquanto não
houver governantes compromissados com as verdadeiras necessidades sociais.