Toda malícia
resume-se, camufla-se atrás do olhar inocente. Noutras vezes um jeito
desleixado e politicamente incorreto no trato às mulheres pode conter no íntimo
uma timidez singular. Reconheço: nunca fui santo. Com as artimanhas dos
adolescentes conhecidos mais pervertidos fui crescendo. Fiquei corpulento e
desajeitado. O volume na calça jeans fazia-me corar. Verdadeira aflição lidar
com a mudança. Mas mudava. Pensamentos sensuais resultado no lençol. A mãe
fazia vista grossa. E o tempo embora indo. Ampulheta por ampulheta. E
passaram-se meus quinze anos. Cheguei aos vinte e hoje quase vinte e cinco. Sou
homem feito ou desfeito em alguns assuntos.
A incompreensão embriaga-me alguns momentos. Como pude passar tanto
tempo sem arrastar uma mulher? E arrastar é burlir, invadir a intimidade de uma
fêmea. Não finjo ou forjo desculpas. Casa pequena, poucos namoros ou namoros
curtos, escassas farras somado ao to de deboche de minhas atitudes. Talvez o
jeito com que me expresse verbalmente. Às vezes brincalhão ao excesso, noutras
taciturno e responsável. Preciso atingir o meio termo antes que meu extremo
atinja o meio. O desejo da transa me queima, arde-me e é tão normal! Creio que
todos os homens “normais” sintam isso, mas sei ainda que esses mesmos homens
conseguem saciar suas vontades. Não podia sufocar-me com tal sigilo. Desabafei
com meu melhor amigo. Aliás concluí que queria porque queria ter uma relação
íntima com uma garota . Minha virgindade já era assunto entre os mais
conhecidos para meu desalento.
E foi cansado de ficar na mão – e ficar na mão
aqui em sentido ambíguo- que conheci Júlia numa festa, dessas festas
quaisqeres. Bêbada como não deixava de serem as degeneradas. Embora seu hálito estivesse
degradante mantinha uma beleza especial. Reparei seu corpo, muito gostoso por
sinal. Uns seios robustos e convidativos. Pernas que quiçá andaram por muitos
matagais por aí, imaginei. Como sou maldoso! Mas quem não seria?
Conversa muita, ação
nenhuma. Ainda assim tentei a sorte andando rumo norte. Foi em vão. Xinguei um
palavrão. No dia seguinte, mesmo sem
questionar acabei recebendo as más novas da forasteira. Viera de outro estado,
mora de favores na casa de uma parenta. Saíra
de sua cidade natal por má conduta emocional, ou antes, sexual. Pertencia ao
rol das "desajustadas”. Se alguém a desejasse não o seria por todo o sempre.
Ah, como eu fora tolo. Ainda titubeei algum escrúpulo da parte daquela vaca!...
Perdão, o pobre animal não merece tamanho rebaixamento moral para a sua
espécie.
No fundo, no fundo,
talvez meu sentimento fosse uma flamejante inveja incendiando meu peito. Como pode
uma jovenzinha - sim, porque Júlia só tinha quinze anos – ter todos esses
incidentes eróticos sendo uma mulher interiorana enquanto eu, um macho e adulto com cara de mau e cheio de cicratizes
não ter deitado com uma prostituta que fosse?!
Mas aí estava a
questão do escrúpulo. Jamais eu me deitaria com uma mulher da vida. O fato de
pagar para ter uma ejaculação parecia-me um apelo muito ridículo. Só de pensar
não sentia tesão. Por outro lado, qualquer puta me interessava, desde que me
desse com todo prazer, sem os apelos financeiros encontrados na moderna mas lodosa
sociedade capitalista.
Quando soube da
novidade, da liberdade libidinosa de Júlia alcei minhas sobrancelhas. Dessa vez
essa não iria escapar. Estudando minha árvore ginecológica Marina ficou com
aquele chato na viagem à casa de praia. No acampamento segurei vela de muita
gente, ou melhor, segurei lampião. Virgínia entrou para o convento e a Rita
levou meu sorriso quando morreu por causa de problemas cardíacos. Na fazenda,
nas férias, jamais em sã consciência usaria as cabras do avô para saciar meus instintos
animalescos como faziam meus primos de lá de longe. O diabo é que até
homossexual me ofereceu! Mas não era nada disso, o lance era mulher – fosse ela
esquálida ou balofa , ruiva ou sarará, sei lá... Eu queria, precisava, necessitava, urgenciava
uma mamífera da espécie homo sapiens para jorrar o meu leite e Júlia parecia
ser a presa certa.
Ao contar meu desejo
a um de meus colegas foi ele mesmo quem me falou:
_ah, a Júlia? Ah, já
comi. Ela quis me dar e foi em casa mesmo. Nossa!Como é macia!...
Quase molhei a
cueca. Suei-me. Só de pensar sentir meus dedos perseguindo cada curva
voluptuosa daquela forma. Entretanto, com algo eu não contava. Este meu amigo
dias idos desentendera-se com a moça. Antes porem dissera que eu queria ficar
com ela. Na hora Júlia até se interessou só que depois da discussão de ambos
ela decidiu voltar atrás pois isso de ficar comigo representaria consentir com
seu não mais amigo. Mesmo assim fui teimoso. Saímos uma noite dessas de céu límpido
a caminho de uma pizzaria afinal mesmo não ocorrendo nada ao menos tudo
acabaria em pizza. Estávamos em turma até o momento de nos deixarem sozinhos
dentro do carro. Assim o teatro abriu as cortinas. Investia com palavras, ela
negava. Investia com gestos, ela olhava para fora. Investia com toques em sua
pele, ela repelia. Investia finalmente com um beijo roubado, ela me fez
desistir com uma tapa.
_Ai!
_Machucou?
_Ainda não.
_Você será capaz de
tentar continuar?
Eu me esquecera de
dizer a ela que para evitar o estupro era necessário somente dizer “sim”. Meu
amigo, esse outro, dono do carro, já sabia de minhas intenções com Júlia e me
apoiava. Tanto que resolveu dirigir para uma estrada deserta e sem luz, às
desoras da noite. Captei reação alguma
de Júlia, parecia até que gozava com aquilo. Até que meu amigo deu ré e
retornamos para casa...
Na noite anterior
nada dera certo. Nada dera. Nem Júlia dera. As madrugadas vindouras
mostraram-se difíceis para mim. Andava obcecado. Queria Júlia da maneira que
fosse. Absurdo todos ali terem-na nos braços e sentirem sua volúpia menos eu. Tal
situação trazia inconformismo. Pensava
em pegá-la à força. Dado momento me relampeou um truque. Seria mesmo à força.
Involuntariamente...
Todos sabiam da
ninfomania daquela garota daí concluí que qualquer homem transaria com ela, até
meu melhor amigo, bastava convencê-lo de aceitar chamá-la pra um motel ela
aceitaria sem sombra de dúvida. E onde eu entraria nessa história? Ora... No
banco de trás do carro...
Muita trepidação na
estrada de terra, principalmente é sensível às lombadas quando se viaja debaixo
do banco traseiro de um fusca. Que situação desconfortável. Foi por pouco
tempo. Mas eu suei, me amassei, peidei, enfim, foi duro. Meu amigo desceu do
carro junto à Júlia que já lambia os beiços, não por se tratar daquele cara mas
pelo glamour de ir num motel pois jamais visitara um em sua cidade. Lá os
meninos chamam de “matel” por ser mesmo no mato.
Meu amigo se
recusava a deitar com a moça. Ele simplesmente apagaria a luz do quarto e me chamaria.
Depois do fato consumado acenderíamos os holofotes e o riso tomaria conta do
recinto. Minha vingança estaria tomada. Aquela vadia não era mulher de copular
para esse meu amigo que já era muito experiente, apenas se divertia com tudo aquilo.
Dizia que não valia a pena se envolver com um espírito tão inferior como o da
estirpe de Júlia. Eu pensava em tudo isso minutos antes de descer do carro. Aquela
seria a minha primeira relação sexual, ao mesmo tempo porque considerar um
acontecimento tão célebre e escolher uma criatura deveras inútil e desprezível?
Será que eu não estaria exagerando na ânsia de cumprir um papel social que o
mundo me impunha? Era o lado individual e o coletivo zanzando em minha cabeça. Poderia
ser aquela uma experiência traumática para o resto de minha vida. E se os
poréns realmente cruzassem meu destino? E se a vagina daquela adolescente fosse
mesmo macia a ponto de eu confundir desejo com amor e me apegar aquela
messalina?
Caramba! Meuá amigo
estava demorando. Será que com toda aquela demora teria decidido voltar atrás e
metido com ela?
É... Meu amigo
estava realmente se demorando na alcova. Talvez tivesse se esquecido de mim com
tudo aquilo em sua frente. Não, ele não poderia ter me traído, ou pelo menos traído
a minha confiança. Minha paciência no fim. Levantei do carro e caminhei até a
porta. Coloquei meu ouvido próximo à porta do quarto. Aí me veio infeliz
palpite: vozes. Sussurros, gemidos, urros! Não aguentei e abri a porta que meu
amigo deixara sem a tranca. Quando entrei meu amigo esparrachado na cama assistindo
filme pornô.
_Cadê? Cadê a Júlia?
_Quê que cê tá
fazendo aqui, seu panaca? Espera lá fora. Olha, ela tá na sauna, quer ver?
Ele abriu a porta da
sala da hidromassagem e pude ver Júlia através dos espelhos retrovisores das
paredes laterais nadando como um peixinho, mergulhando como um submarino
amarelo, maravilhosa... Mas eu podia ficar apenas admirando aquele corpo moreno
sem poder fazer uma massagem de onze dedos sequer!
_ Tá demorando por
quê? – inquiri.
_ cara, ela não quer
que eu apague a luz. Ficou impressionada com a decoração do quarto!
_ Idiota! Da próxima
vez vê se procura um motel mais ralé.
_ O papo tá bom mas
é melhor você voltar lá pra fora. Aguenta mais um pouquinho até ela pegar no
sono aí você entra e eu saio.
Então retornei.
E, depois de muito
titubear afinal eu me decidia. Não iria mais fazer aquilo. Meu tesão poderia esperar. O ser humano por
mais instintivo que seja pode controlar suas vontades. Qualquer garota não
valeria a pena. Somente por vaidade? Só porque o mundo inteiro comeu Júlia? Ora,
eu não era o mundo inteiro! Era um homem virgem mas um homem reflexivo, um
filósofo...
Tam! Tam! Tam!
_ E aí? Vâmo? Desce
do carro!
_ Olha, não é por
nada não...
Meu amigo, de
cabelo em pé, desacreditava das minhas palavras. Xingou-me de veado pra baixo. Disse
que se era pra ouvir merda... etc etc etc...
_Ah, vai lá você e
faz com ela.
_ Eu? Eu não!
_Qual o problema?
Ela só é mais uma fêmea para um macho já iniciado, não para mim.
_ mas ela não me
atrai. Já deu pra todo mundo. Tenho até nojo. Pegar uma doença venérea? Eu,
hein!
Agora quem
desacreditava era eu. Enfim, foi o tempo de piscar de olhos ele entrou no
quarto. Uns vinte minutos mais ou menos ele voltou.
_ E aí?
_ Não teve jeito, ela
não quis me entender e saiu pela porta de trás do quarto. Vestiu a calcinha, o
sutiã, a calça, a miniblusa, pegou seus badulaques e foi-se embora. Agora você
pode se sentar no banco da frente do carro à vontade, não precisa ficar
escondido aí no fundão, não...
_ O quê? Sair do
motel com você dentro do fusca? Ora, vá se foder! Eu vou ficar debaixo do banco
mesmo.
Assim ganhamos a
estrada.
Passado aquela
conturbada noite minha vida continuou a mesma. Ainda sou o mesmo homem
malicioso porém virgem e que quer sentir o prazer do sexo.
Meu amigo é que já
não é o mesmo. Júlia, despossuindo qualquer escrúpulo, espalhou aos quatro
cantos que ele a levara no motel mas não soubera o que fazer. Tornou-se bicha
pela boca de alguns malditos...
Verão de 1999
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